outubro 27, 2011

"CONTRUÇÃO"_uma interpretação




“construção”Chico Buarque                                 “oposição”

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

   
  

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo






Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público




Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado




A repressão da ditadura traz a incerteza do amanhã. O indivíduo, neste enquadramento social, político e cultural sente-se privado da liberdade de viver e de se expressar (passo tímido). Enche-se de coragem e fôlego para (re)agir com a capacidade de construção que tem uma máquina. Reveste-se de força (paredes sólidas) para, passo a passo, conquistar espaço, direito à expressão e resistir ao sistema instalado.
 Há uma comoção no seu olhar mas descansa e saboreia o banal (feijão com arroz). Não sabe como se movimentar.
Há um misto de necessidades, sobrevivência ao contexto real pelo mais elementar e o que alimenta o sonho (céu), a liberdade (flutuou … pássaro) de expressão, de beber a cultura. Mas está forçado a fazer algo que não concorda (Morreu na contramão atrapalhando o tráfego)



Há um sentido profundo do valor do essencial da vida apesar de se movimentar com dúvida.
Teve a coragem de se manifestar contra o sistema (subiu a construção) como se nada o pudesse derrubar (fosse sólido) na ilusão (paredes mágicas) do que pode vir a conseguir (desenho lógico). O seu olhar mostra-se confuso, mas, senta-se com a convicção de que vai valer a pena, trazida pela sensação de Príncipe.
Por enquanto, até acharia o máximo qualquer coisa que se conseguisse, mesmo a mais corriqueira como “feijão com arroz”.

Neste momento, a inércia instala-se e começa a mecanizar os seus gestos mais elementares, os voluntários e os involuntários, como beber e o soluçar. A incerteza do amanhã permanece. Dança e gargalha como se fosse o próximo a ser totalmente engolido pela repressão política e o mau estar social e cultural.
Mas ainda persiste a esperança (e flutuou no ar como se fosse sábado) como ideia de fundo, ainda, antes do naufrágio.



No final, já não sente, não pensa, movimenta-se “como se fosse máquina”, já sem forças para lutar. As paredes já são flácidas.
O indivíduo é levado à alienação para conseguir viver, mas, morre! Esta morte simbólica é a da esperança esmagada pela repressão, contudo, não deixou de ser um contramão! “atrapalhando”, tornando incómodo o que se queria silenciado.

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