“construção”Chico Buarque “oposição”
Amou daquela vez como se fosse a última Beijou sua mulher como se fosse a última E cada filho seu como se fosse o único E atravessou a rua com seu passo tímido Subiu a construção como se fosse máquina Ergueu no patamar quatro paredes sólidas Tijolo com tijolo num desenho mágico Seus olhos embotados de cimento e lágrima Sentou pra descansar como se fosse sábado Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago Dançou e gargalhou como se ouvisse música E tropeçou no céu como se fosse um bêbado E flutuou no ar como se fosse um pássaro E se acabou no chão feito um pacote flácido Agonizou no meio do passeio público Morreu na contramão atrapalhando o tráfego Amou daquela vez como se fosse o último Beijou sua mulher como se fosse a única E cada filho seu como se fosse o pródigo E atravessou a rua com seu passo bêbado Subiu a construção como se fosse sólido Ergueu no patamar quatro paredes mágicas Tijolo com tijolo num desenho lógico Seus olhos embotados de cimento e tráfego Sentou pra descansar como se fosse um príncipe Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo Bebeu e soluçou como se fosse máquina Dançou e gargalhou como se fosse o próximo E tropeçou no céu como se ouvisse música E flutuou no ar como se fosse sábado E se acabou no chão feito um pacote tímido Agonizou no meio do passeio náufrago Morreu na contramão atrapalhando o público Amou daquela vez como se fosse máquina Beijou sua mulher como se fosse lógico Ergueu no patamar quatro paredes flácidas Sentou pra descansar como se fosse um pássaro E flutuou no ar como se fosse um príncipe E se acabou no chão feito um pacote bêbado Morreu na contramão atrapalhando o sábado | A repressão da ditadura traz a incerteza do amanhã. O indivíduo, neste enquadramento social, político e cultural sente-se privado da liberdade de viver e de se expressar (passo tímido). Enche-se de coragem e fôlego para (re)agir com a capacidade de construção que tem uma máquina. Reveste-se de força (paredes sólidas) para, passo a passo, conquistar espaço, direito à expressão e resistir ao sistema instalado. Há uma comoção no seu olhar mas descansa e saboreia o banal (feijão com arroz). Não sabe como se movimentar. Há um misto de necessidades, sobrevivência ao contexto real pelo mais elementar e o que alimenta o sonho (céu), a liberdade (flutuou … pássaro) de expressão, de beber a cultura. Mas está forçado a fazer algo que não concorda (Morreu na contramão atrapalhando o tráfego) Há um sentido profundo do valor do essencial da vida apesar de se movimentar com dúvida. Teve a coragem de se manifestar contra o sistema (subiu a construção) como se nada o pudesse derrubar (fosse sólido) na ilusão (paredes mágicas) do que pode vir a conseguir (desenho lógico). O seu olhar mostra-se confuso, mas, senta-se com a convicção de que vai valer a pena, trazida pela sensação de Príncipe. Por enquanto, até acharia o máximo qualquer coisa que se conseguisse, mesmo a mais corriqueira como “feijão com arroz”. Neste momento, a inércia instala-se e começa a mecanizar os seus gestos mais elementares, os voluntários e os involuntários, como beber e o soluçar. A incerteza do amanhã permanece. Dança e gargalha como se fosse o próximo a ser totalmente engolido pela repressão política e o mau estar social e cultural. Mas ainda persiste a esperança (e flutuou no ar como se fosse sábado) como ideia de fundo, ainda, antes do naufrágio. No final, já não sente, não pensa, movimenta-se “como se fosse máquina”, já sem forças para lutar. As paredes já são flácidas. O indivíduo é levado à alienação para conseguir viver, mas, morre! Esta morte simbólica é a da esperança esmagada pela repressão, contudo, não deixou de ser um contramão! “atrapalhando”, tornando incómodo o que se queria silenciado. |
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